segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Nas Águas do Tom


"É o vento ventando, é o fim da ladeira."


Nas águas do Tom,
Dorme seu canto,
aconchego d'outro pranto,
refúgio do que era bom.

Sem mais notas,
o Meio se tornou Fim.
Fez novas rotas
e nenhum acorde para mim.

Embrenhou-se o instrumento oco
aos troncos que lhe deram origem.
Um dia madeira virgem,
N'outro, abandonado toco.

Mas o que dele saiu
nas Águas não poderá morrer
pois aquilo que em Março se abriu
Nas Águas só poderá viver.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"A diferença entre estar aqui e não mais estar."



"Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um mais um dia."




José Saramago





Sexta feira, 18 de junho de 2010, deveria ter sido só mais um dia.


Para mim, a manhã se encolerizou a partir de 9:45 aproximadamente, horário em que meu cúmplice telefonou para que eu soubesse da notícia.





Vai-se o corpo, a verve, o dom.


Em nós, amantes, mesmo pouco experientes, como eu, se eterniza a saudade de alguém que se conheceu por períodos intermináveis, recheados de orações subordinadas, como o retrato de uma memória ou de uma concepção de vida.





Por baixo da sujeira daquele sanatório, havia algo ainda mais podre.
Seria a manta que encobre o velório da verdadeira personalidade humana?



José de Sousa Saramago, filho de pais analfabetos, atestou que conhecimento e sapiência não derivam de diplomas ou canudos acadêmicos, instrumento majoritariamente utilizado pela elite para arrotar arrogância, prestígio.


Sua instrução adveio da vida, de sua perspicácia imanente e sensível o suficiente para transformar em arte-literata polêmicas sociais, religiosas, políticas.





É difícil acreditar que não esperaremos mais por um de seus títulos novos em nossas cabeceiras.


Teremos para guardar livros, frases, lembranças do que cada colocação sua significou na particularidade de cada espírito leitor.


Recordaremos, até mesmo, com as Pétalas Ressecadas que envelheceram mumificadas em suas obras.
Tendo-as será uma forma mais íntima de amá-lo.



Já dizia ele que "gostar é provavelmente a melhor forma de ter".
Estaria sendo controversa se concordasse sem ressalvas.


Tê-lo vivo por tanto tempo, produzindo tantas das melhores obras da Literatura Portuguesa, é o motivo por que, hoje, endossamos as palavras de Fernando Meirelles:





"Hoje, o mundo ficou um tanto mais burro e cego."





Basta.

sábado, 15 de maio de 2010

Saudade da arte

Ultimamente, apesar de estar com todos os meus horários preenchidos, sinto que me falta fazer alguma coisa.

Tenho faculdade, cursos, deveres que me requerem boa parte do dia.
Até mesmo aqueles momentos mais íntimos, em que me dedicava única e exclusivamente à minha arte, estão me sendo tomadas pelo dissabor de formulários, protocolos do livro de ponto de qualquer senhor diretor.

Saudade do tempo que carregava com fardo de errante pelas páginas desavisadas por que percorri.

Se alguém aqui sentiu falta do lirismo dos loucos, digo que sinto falta do lirismo puro e simples dos meus dias de outrora, como menina ginasial lendo romances e contos, esperando a hora em que me saudariam por qualquer coisa. Como Cinderela recem descoberta.

Agora, meu tempo é curto.
Passei sem querer pelo portão da juventude, e os encargos começam a me cobrir como folhas no outono.

Preciso que, de vez em quando, uma janela se abra para eu sentir o perfume das flores, ainda que ressequidas dentro de um livro. Por isso, deixo aqui um pouco de nostalgia.


Dê Lírios
Outra vez o meu tinto se encerra com um ponto final. E com frustração sinto as letras se exaurindo, como amor tecido no silêncio; feito leitura rápida de menina avoada.

Pude acreditar na longevidade de uma lágrima, e todas só reencontrei nas folhas soltas do eu-arbusto. Amputados, muitos dos galhos já o foram, mas com presteza, os mesmos braços de outrora ressusrgiram para vestir o cerne nu.

Insurgente como cada vil indagação, os verbos vêm voando de atos falhos impetuosos, rumando o pai da melodia:
"Blue skies from pain..."

Unificada a precipitação da minha vontade de cílios e de boca, me aproximo com tato ávido de ti, com veia pulsando por teu encontro, pelo qual tanto esperei.

Medindo a dose da tua fluidez, tremia por tê-lo tão perto, o entorpecente por que tantos morreram no século francês: a paixão do primeiro beijo.

Outra vez a minha tinta se encerra com o ponto final.




E disso já faz dois anos e pouquinho.
;X

domingo, 11 de janeiro de 2009

Gotas da flor.


Flor estava ali. Por que tão injustiçada? Escrava da ganância alheia, sem escrúpulos, Flor serviria de seu cálice obrigada, a quem fosse enviada.
No dia em que chegou, envolvida ainda por seu mundo pré-adolescente, Flor pensou ter ganhado pai, mãe e irmãs. A respeito das irmãs, sim, poderia ter várias, tanto as que já a esperavam quanto as que apareceriam depois, modestas, encabuladas e temerosas. Entretanto, com relação aos pais tão sonhados... Bom, estes penduraram seus sorrisos atrás da porta juntamente com os casacos e chapéus.
Achou que seria esse o seu último dia de primavera. Última manhã multicor, multiforme, de esperança sob a luz, e naquele noite a Flor chorou.
***
A pobre senhora não conseguia pensar em sua vida sem que gotas grossas desbravassem lhe as maçãs. De solitária, Das Dores passara a ser abandonada ainda jovem. Por quem? Pela mãe, que se suicidara por ter sido traída? Pelo marido, que a deixara dizendo querer ter filhos, o que seria impossível ali por ela ser estéril? Ou pelo tempo, que a fechou como um Livro de Infelicidades?
Nesta noite, a mulher, após desejar uma boa noite à última vizinha que se recolhera por causa da chuva, observava o relativo movimento dos carros na rua, sentada na varandinha coberta de sua casa.
***

Não conseguiu suportar até o fim. Sem uma noção completa do que era o asqueroso mundo com o qual ela havia tido contato, Flor saíra correndo em disparada para qualquer recanto que pudesse chamar de Lar. Estava com a alma exposta, apesar da maquiagem pesada que não servira para brincar de boneca. Encoberta pela chuva que a abrigava como âmnion, Flor sentia a morfina do medo atenuando seu colorido de menina-moça; agora, com pétalas murchas pela acidez da água e da vida, suas nervuras chegavam a empalidecer com a rispidez dos trovões.
A rua seria um refúgio do claustro. Agora, ainda a desabrochar, Flor estava sendo impelida pelas nuvens para o solo úmido, frio e cuspido.
Foi nesta madrugada que o destino mostrou-se cheio de reveses para a menina. Enquanto ela corria, pensando que aquele era o tal inferno de que as freiras tanto lhe falaram, uma simples senhora se atentara para o vulto que se aproximava aparentemente atordoado. "É uma criança!", pensou. No momento em que Das Dores se ergueu, Flor, com os pés feridos da fuga, caía enfraquecida no asfalto.
Das Dores correu e acobertou a Flor. Deu-lhe um colo e um travesseiro para as noites de pesadelo. Histórias, lápis e caderno para sonhar e fazer os outros sonharem com os jardins da infância, então recuperada.
A Dor enraizada floresceu.
A Flor ganhou uma vida que dormia no gineceu, o Amor.